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28 de Setembro de 2023

Vacinação massal controla e estabiliza sanidade do plantel de suínos

A suinocultura enfrenta o desafio de encontrar soluções ecológicas e éticas para garantir a saúde e o bem-estar dos animais, ao mesmo tempo em que preserva a saúde pública e o equilíbrio ambiental.

O confinamento de suínos na produção tecnificada favoreceu a população de patógenos importantes e de grande impacto econômico. Com isso, a suinocultura ainda enfrenta uma série de desafios sanitários, especialmente devido à resistência de alguns patógenos no sistema de produção atual. Para enfrentar esses desafios, têm sido adotadas diversas abordagens, incluindo práticas de manejo aprimoradas, melhorias nas condições de ambiência e instalações, bem como estratégias antimicrobianas e vacinais, com objetivo de controlar doenças e minimizar os prejuízos econômicos, buscando uma produção mais eficiente.

Contudo, uma preocupação cada vez mais presente é a integração da saúde animal, humana e ambiental, conhecida como Saúde Única. Essa abordagem questiona o uso indiscriminado de antibioticoterapia na produção animal, levantando a necessidade de revisão das práticas atuais.

Nesse contexto, a suinocultura enfrenta o desafio de encontrar soluções ecológicas e éticas para garantir a saúde e o bem-estar dos animais, ao mesmo tempo em que preserva a saúde pública e o equilíbrio ambiental. “Uma das principais estratégias de controle de doenças em suínos é, e continuará a ser, o uso de protocolos vacinais, que, de forma geral, conferem proteção parcial aos animais, resultando na diminuição dos sinais clínicos e lesões, além de controlar a excreção e transmissão de patógenos”, afirmou a professora adjunta da Universidade Feevale, Karine Ludwig Takeuti, durante sua palestra sobre os aspectos básicos da vacinação massal em suínos no 15º Simpósio Internacional de Suinocultura, realizado em meados de maio, em Porto Alegre, RS.

Embora as vacinas sejam aplicadas individualmente, conferindo proteção ao animal em si, os protocolos vacinais possuem um efeito de rebanho, em que toda a população se beneficia. “A vacinação massal consiste na aplicação de vacinas em toda a população de suínos, independente da fase em que se encontra, com o objetivo de gerar proteção tanto individual quanto de rebanho”, pontua.

Apesar da imunidade do plantel estar geralmente associada às vacinas utilizadas ao desmame, Karine diz que geralmente o conceito de vacinação massal está relacionado ao plantel reprodutivo, como leitoas e porcas em fase gestacional, no pré-parto ou lactantes. De acordo com a profissional, a aplicação dos protocolos massais podem ter como objetivos a estabilização sanitária do plantel através da diminuição das taxas de excreção e circulação do patógeno entre indivíduos, aumento de imunidade e redução de sinais clínicos e lesões, ou ainda podem ser utilizados na erradicação de um agente infeccioso.

Estabilização sanitária do plantel
Apesar de escassos os estudos sobre o efeito da vacinação massal no controle de doenças nas granjas, alguns autores têm apresentado pesquisas nos últimos anos que demonstram os benefícios do seu uso para controlar os efeitos causados pelo Circovírus Suíno Tipo 2 (PCV2). “A vacinação do plantel reprodutivo contra PCV2 a cada ciclo produtivo em um período de três anos resultou no aumento do número de leitões nascidos vivos, no peso dos leitões ao nascimento e no número de leitões desmamados”, exalta Karine.

De acordo com um docente da Feevale, em um estudo recente realizado com quatro grupos de leitoas e porcas, sendo cada grupo vacinado contra PCV2 em diferentes momentos: pré-cobertura, meio da gestação, fim da gestação e um grupo não vacinado. Essa abordagem buscou simular uma vacinação massal, permitindo a observação dos efeitos da imunização em cada categoria de fêmeas. “Mesmo que a granja utilizada no estudo tivesse infecção subclínica para PCV2, alguns benefícios foram observados nas matrizes vacinadas e sua progênie, como aumento da imunidade, redução da circulação do vírus ao parto e de transmissão vertical para os fetos”, evidencia Karine, acrescentando: “Além disso, houve um aumento no peso dos leitões ao nascimento e ao desmame, e uma redução no número de leitões uniformizados, o que poderia contribuir no melhor controle na transmissão do vírus entre leitegadas nos grupos cujas mães foram vacinadas. Também foi observada uma tendência na redução do número de mumificados no grupo vacinado pré-cobertura”.

Eficácia das vacinas
Em uma pesquisa, a vacinação massal do plantel reprodutivo foi realizada em uma granja que passava por um surto de Influenza A H1N2 em leitões lactentes e de creche. Após uma tentativa de controlar o surto com uso de vacinas autógenas pré-parto, optou-se por vacinar de forma massal todo o plantel reprodutivo com duas doses de uma vacina comercial. Depois das aplicações, o rebanho reprodutivo e sua progênie foram monitorados por 13 semanas através de PCR e sorologia. “Após a vacinação massal foi observado que os índices de anticorpos contra Influenza aumentaram de forma expressiva no plantel reprodutivo e a prevalência de porcas e leitões lactentes que estavam excretando o vírus reduziu progressivamente até que nenhum leitão de maternidade ou de creche fosse detectado positivo para Influenza por PCR, indicando que houve uma redução significativa na circulação viral, controlando os casos clínicos na granja”, explica Karine, ampliando: “Além disso, como os anticorpos maternos para Influenza podem promover uma proteção dos leitões por até oito a 10 semanas pós-nascimento, a progênie teria uma maior imunidade nas fases subsequentes, embora não se exclua a possibilidade dos animais se contaminarem nestas fases, já que há mistura de leitegadas e até mesmo de origens”.

No Brasil, outro pesquisador realizou um estudo comparativo entre duas granjas produtoras de leitões, uma que fazia a vacinação massal do plantel reprodutivo contra Mycoplasma (M.) hyopneumoniae há 13 anos, enquanto a outra não tinha histórico de vacinação massal. O objetivo era avaliar o efeito da vacinação de matrizes na imunidade humoral gerada em primíparas, multíparas e sua progênie.

Os resultados revelaram que as primíparas da granja com vacinação em massa apresentaram índices de ingestão para M. hyopneumoniae significativamente maiores do que as multíparas da mesma granja e também em comparação às primíparas e multíparas da granja sem histórico de protocolos vacinais em massa. “Da mesma forma, os leitões filhos dessas primíparas da granja com vacinação massal também apresentavam maiores índices de anticorpos 24 horas pós-parto, indicando que houve passagem de anticorpos maternos para os leitões pelo colostro nas primeiras horas de vida. Como as leitoas tiveram intervalos vacinais mais curtos quando comparadas às porcas, sugere-se que tenha ocorrido um efeito booster vacinal”, expõe Karine.

Embora não tenha sido avaliado no estudo, a palestrante diz que é possível que essa maior imunidade conferida às matrizes e a seus leitões tenha um efeito benéfico em reduzir a excreção da bactéria pelas mães, diminuindo a colonização de suas leitegadas durante a lactação.

Protocolos de vacinação massal
A docente da Feevale afirma que protocolos de vacinação massal são importantes para serem usados durante o processo de aclimatação de leitoas, quando elas são introduzidas na granja e também na preparação para o início da vida reprodutiva. “Os índices de anticorpos das vacinas realizadas no pós-desmame conferem cobertura limitada e começam a declinar com o início do ciclo reprodutivo, sendo, em alguns casos, recomendada a realização de exames laboratoriais para análise dos níveis de anticorpos ou para detectar possíveis enfermidades, a fim de avaliar a necessidade de proteção vacinal”, admite Karine.

Entre alguns exemplos práticos e que eventualmente ocorrem, a profissional cita a contaminação por M. hyopneumoniae ou Actinobacillus (A.) pleuropneumoniae em granjas que anteriormente eram consideradas negativas para esses patógenos. “Além disso, pode ocorrer a entrada de um novo sorotipo bacteriano ou viral em uma granja cujas variantes não possuem proteção cruzada entre si, como é o caso de Glaesserella (G.) parasuis e A. pleuropneumoniae”, pontua.

Karine reforça que quando um novo patógeno ou sorotipo entra em um plantel sem imunidade, isso pode desestabilizar a sanidade da granja, provocando uma exacerbação dos sinais clínicos e lesões. Isso, por sua vez, pode levar a um aumento significativo nas perdas por mortalidade e redução no desempenho dos animais.

No caso da contaminação por M. hyopneumoniae, Karine diz que a vacinação em massa do plantel reprodutivo pode ser utilizada como uma medida para estabilizar a granja e minimizar os efeitos causados pela entrada do patógeno. “Essa estratégia é adotada até que seja tomada uma decisão sobre a convivência com a bactéria ou a implementação de um plano de erradicação”, sublinha.
No caso da entrada de novos sorotipos, como G. parasuis e A. pleuropneumoniae, embora o impacto direto não seja no plantel reprodutivo, a vacinação em massa pode ser aplicada como uma estratégia para aumentar a imunidade passiva fornecida aos leitões durante o período lactacional.

Erradicação de agentes infecciosos
Entre as estratégias de erradicação de doenças. Karine adianta que podem envolver uma série de manejos, incluindo a aplicação de vacinação em massa. Um exemplo é a Espanha, onde a Doença de Aujeszky foi oficialmente erradicada em 2011 após a vacinação compulsória de todo o plantel reprodutivo simultaneamente, com no mínimo três vezes por ano; das terminações com no mínimo duas doses; e das leitoas três vezes antes de iniciarem a vida reprodutiva.

Outro exemplo citado pela professora é a aplicação dos principais protocolos de erradicação de M. hyopneumoniae, que envolvem medidas como medicação com e sem o fechamento do plantel. “Nesses protocolos, a vacinação de todo o plantel e o uso de antibioticoterapia são etapas fundamentais para o sucesso dos programas. Essas estratégias são adotadas porque os animais são expostos a um inóculo positivo da bactéria e as vacinas podem auxiliar na redução de sinais clínicos e lesões ou até mesmo no tempo de excreção da bactéria”, descreve Karine.

Em um estudo realizado por outro pesquisador sobre o PCV2, foi avaliado se seria possível erradicar o vírus de um plantel com infecção subclínica por meio de uma estratégia de vacinação em massa. Nessa abordagem, o plantel reprodutivo foi vacinado a cada três meses e os leitões receberam duas doses da vacina após o desmame, durante um período total de 12 meses. Durante esse período de vacinação, os resultados mostraram que a pressão de infecção do PCV2 foi reduzida significativamente, chegando ao ponto em que o vírus não era mais detectável.

No entanto, após um ano de avaliação, o uso da vacina em massa foi suspenso e o vírus passou a ser detectado quatro meses depois, sugerindo duas hipóteses: uma reinfecção do plantel ou que o PCV2 nunca havia sido eliminado de fato da granja.

As ações estratégicas oficiais de vacinação em massa são também empregadas para controlar e erradicar doenças que podem afetar a saúde do plantel nacional e ter impacto nos processos de exportação para outros países. Um exemplo disso é o Plano Estratégico Brasil Livre de Peste Suína Clássica, que atualmente inclui o uso estratégico de vacinação em massa em estados onde a doença está presente. “O objetivo principal desse plano é erradicar a Peste Suína Clássica na zona não livre, com o intuito de reduzir as perdas diretas e indiretas causadas pela doença e, ao mesmo tempo, gerar benefícios por meio do status sanitário de país livre. A erradicação da doença através da vacinação em massa é uma medida essencial para proteger a indústria suinícola nacional, garantir a segurança alimentar e viabilizar a exportação de produtos suínos para mercados internacionais”, enfatiza Karine.

Imagem: Shutterstock