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13 de Julho de 2011

Suinocultura na berlinda

A suinocultura brasileira vive um momento conturbado. O forte aumento dos preços das commodities agrícolas elevou os custos de produção da atividade e minou a lucratividade dos produtores. No mercado interno, apesar da boa demanda, o aumento da oferta de carne bovina e os baixos preços da carne de frango inibiram a procura por produtos suínos e derrubou os preços pagos ao produtor. As ações do governo brasileiro para ajustar o ritmo de crescimento da economia e conter a escalada da inflação também impactaram o comportamento do consumidor. O País vai crescer menos em 2011. Não houve agregação adicional de renda nos mesmo níveis registrados no ano passado. No mercado externo, a situação não é mais animadora. Apesar dos bons preços internacionais da carne suína, as exportações patinam, registrando volumes aquém do esperado. E o embargo imposto pela Rússia, destino de 40% dos embarques brasileiros, faz as empresas acumularem prejuízos e retarda a recuperação do setor. "Temos uma pressão de custos conjugada com uma maior oferta de outras carnes no mercado doméstico e uma situação de demanda interna aquém da registrada no ano passado", afirma Fernando Pereira, presidente do Grupo Agroceres. Dias melhores - Pereira acredita, no entanto, que a suinocultura brasileira poderá viver dias melhores ainda neste segundo semestre. O mercado interno forte, a oferta ajustada e a possibilidade de acesso da carne suína brasileira a novos mercados podem recolocar a atividade num novo ciclo positivo. Em entrevista à Suinocultura Industrial, Fernando Pereira fala sobre o atual momento da suinocultura brasileira, sobre as variáveis que têm impactado o desempenho da atividade e traça as perspectivas para o setor para o resto do ano. Fala também sobre outros assuntos, como a nova dinâmica do mercado de commodities, os desafios para o avanço do consumo de carne suína no mercado interno e a relação com novos compradores como a China. Os melhores trechos da entrevista você confere a seguir. Suinocultura Industrial - A suinocultura brasileira teve um bom desempenho no ano passado com exportações estáveis, bom consumo no mercado interno e preços remuneradores pago aos produtores. Em que pese às boas perspectivas para o setor em 2011, o desempenho não tem sido muito bom neste ano. O que acontece com a suinocultura brasileira? Fernando Pereira - Para analisar o comportamento da suinocultura no ano passado temos que examinar alguns aspectos, entre eles o menor preço de grãos no primeiro semestre em relação ao mesmo período deste ano. Outro dado importante é que as exportações brasileiras de carne suína, em 2010, ficaram abaixo do que historicamente registramos em anos anteriores. Foi o mercado interno que deu forte sustentação para a manutenção de bons preços, principalmente no segundo semestre. Para 2011, realmente, a expectativa era de um desempenho melhor do que o de fato vem acontecendo. Isto se deve a alguns fatores, dentre eles o forte crescimento da produção de frangos e a desaceleração da taxa de crescimento do PIB brasileiro, associado a um aumento da taxa de inflação. Assim, não houve agregação adicional de renda nos mesmos níveis que estava acontecendo no ano passado. Para complicar ainda mais o cenário, vínhamos exportando menos e ainda ocorreu o impacto do embargo russo. Para alguns Estados brasileiros, esse efeito sozinho não teria surtido o mesmo impacto negativo não fosse a coincidência desse embargo com o pico de safra de carne bovina e o período de alta oferta de carne de frango. Tivemos, portanto, uma conjunção de fatores adversos associados à demanda. E ainda, no que se refere ao custo de produção, temos, desde o final do ano passado, preços muito altos de grãos. Então temos uma pressão de custos conjugando com uma situação de demanda aquém da registrada no ano passado. Suinocultura Industrial - O senhor falou sobre o impacto dos custos de produção na rentabilidade do produtor e hoje quando se fala em preços de commodities agrícolas, os fundamentos de mercado são apenas parte do todo, uma vez que os produtos agrícolas estão sendo vistos, cada vez mais, como ativos atrativos para investidores. Como se comportar frente a essa nova realidade? Fernando Pereira - Para entender esse fenômeno é preciso ter clareza de que, historicamente, as commodities agrícolas tinham seus picos de alta e baixa determinados por choques de oferta. O que acontece hoje é que estamos convivendo com um cenário completamente diferente, pois o que temos é um choque de demanda, isto é, temos uma procura muito alta por commodities agrícolas decorrente de alguns fatores. Entre eles, a concorrência do uso de campos de produção e de grãos para a produção de biocombustível, e não apenas para os mesmos usos do passado. Temos também um choque de demanda decorrente do aumento de renda, da urbanização e das populações nos países em desenvolvimento. Esses fatores somados estão desequilibrando o mercado. Realmente, o produtor, não só de carne suína, mas também outros setores, enfrenta agora um desafio, que é o de como conviver com essa nova situação. O principal ponto de atenção neste novo contexto é a gestão financeira. O produtor tem que estar atento à sua gestão financeira para não incorrer em riscos incompatíveis com sua operação e para aproveitar algumas oportunidades que aparecerão no mercado em decorrência deste cenário de turbulência. Há nesse processo todo o que chamamos de uma certa "financeirização" das atividades. E isso envolve o uso de linhas de financiamento, investimentos em mercado futuro, se for opção do produtor fazê-lo, enfim, coisas dessa natureza. Esse é um aspecto que não era muito praticado pelos produtores e que passa a ser importante considerar. Vale ainda lembrar as mesmas recomendações de qualquer cenário de competitividade, que é aumentar o foco na melhoria de gestão e no aumento da eficiência de produção. Suinocultura Industrial - O menor custo de produção em relação aos seus principais concorrentes sempre foi um diferencial competitivo da suinocultura brasileira. O senhor acredita que diante dessa nova realidade o setor suinícola terá que fazer ajustes para manter-se competitivo? Fernando Pereira - O setor suinícola vai ter sempre que trabalhar os aspectos de eficiência de produção, simplesmente porque essa é a única coisa que está nas mãos do produtor, ou seja, que depende exclusivamente dele. O grande gargalo que enfrentamos no momento é o câmbio e isso independe do produtor. O Brasil se tornou um país caro em todos os aspectos. É caro produzir qualquer coisa no Brasil de hoje para exportar e, infelizmente, não há boa expectativa de reversão deste cenário num curto espaço de tempo. Suinocultura Industrial - O senhor diz que a solução virá em médio e longo prazo porque o câmbio é hoje uma ferramenta utilizada pelo governo para controlar a inflação? Fernando Pereira - Exatamente, em essência temos hoje um regime de câmbio flutuante e vários fatores internos e externos estão contribuindo para uma forte sustentação do valor da nossa moeda. E, em um contexto de pressão inflacionaria como o atual, esta sobrevalorização contribui para prevenir um quadro inflacionário ainda pior. Suinocultura Industrial - Diante desse quadro conjuntural que o senhor traçou, quais são as perspectivas para a suinocultura brasileira neste segundo semestre? Fernando Pereira - Embora estejamos em um momento complicado, em virtude dos altos custos de produção, da queda dos preços pagos ao produtor e de tudo o quê já comentamos, ainda mantenho o otimismo em relação ao desempenho bem melhor do setor suinícola no segundo semestre. Isso porque não temos oferta alta de carne suína no mercado e, ao mesmo tempo, temos o mercado doméstico ainda com boa demanda. Já no mercado externo existem boas expectativas, primeiro para resolver os problemas com a Rússia em um período relativamente curto e, em segundo lugar, há a expectativa de que o Brasil possa acessar outros mercados. Não seria surpresa, por exemplo, com base nas informações mais recentes da China, de que ela vá ao mercado mundial se abastecer. O preço de carne suína na China já está mais alto do que os picos que aconteceram em 2008. É boa a chance de que ocorra alguma exportação direta do Brasil para a China ainda neste ano. Suinocultura Industrial - Gostaria de passar a limpo algumas questões do mercado interno com o senhor. No ano passado o consumo per capita de carne suína atingiu 14,5 quilos, um crescimento significativo e que quebrou uma estabilidade de pelo menos quatro anos. O aumento de renda no País garantiu um novo lugar para a carne suína na mesa do brasileiro? Fernando Pereira - É prematuro dizer que esse novo patamar de consumo per capita está solidificado. Esse é um processo que deve continuar sendo trabalhado e o setor, capitaneado pela ABCS, tem feito todo o esforço para implementar campanhas que estimulem o consumo de carne suína. Além disso, as empresas privadas que trabalham no setor fazem o mesmo. O certo é que esse esforço conjunto tem que continuar. A conquista de espaço em relação a outras carnes é uma briga constante. Suinocultura Industrial - O preço tem influência nessa disputa? Fernando Pereira - Sim. A carne de frango, se olharmos ao longo das últimas décadas, tem conquistado espaço crescente baseado em preços decrescentes, obtidos através de ganhos de eficiência de produção e de organização de toda a cadeia. A oferta de carne suína de alta qualidade e a preços competitivos, portanto, é fundamental. Daí decorre outro fator, que é o equilíbrio entre o que se produz, o que se consome no mercado interno e o que se exporta. Num mercado ajustado como o brasileiro, onde há pouca oferta de carne suína em relação ao consumo, uma eventual alta brusca nas exportações pode elevar demasiadamente o preço interno do produto. Isso pode afugentar o consumidor interno, o que não seria desejável. Suinocultura Industrial - Nos dois últimos anos o desempenho do setor suinícola no mercado interno interferiu nas exportações. Para boa parte das empresas brasileiras nesse período foi mais rentável vender no mercado interno do que exportar. Como dimensionar a importância do mercado interno e do externo? Fernando Pereira - Para entender esse processo temos que considerar dois aspectos: primeiro, que nosso mercado de exportação é ainda muito concentrado na Rússia. E se viermos a exportar para a China teremos dois clientes, Rússia e China, que tradicionalmente não mantêm contratos de compra de longo prazo. Eles modificam suas decisões de compra à mercê de vários fatores, exatamente como está acontecendo agora com a Rússia. Então, essa decisão das empresas brasileiras de priorizar o mercado interno em determinados momentos, em detrimento da exportação, faz todo o sentido. Seria muito diferente se tivéssemos contratos com o Japão ou Coreia do Sul, que são tradicionalmente mercados premium, que pagam por consistência de qualidade, de fornecimento e garantem contratos de longo prazo. Outro fator a se considerar em relação ao mercado interno é a concorrência com as outras carnes. O consumo de carne suína evoluiu em 2010 porque seu preço ficou muito mais competitivo em relação ao da carne bovina, que estava escassa. Suinocultura Industrial - O senhor comentou que as exportações brasileiras estão muito concentradas no mercado russo. Que tipo de impacto esse embargo pode trazer para o desempenho da atividade? Fernando Pereira - O embargo já trouxe prejuízos para o setor, pois aconteceu num momento muito crítico, já que coincidiu com uma maior oferta de carne bovina [pico da safra] e de carne de frango, no mercado interno. A quantificação física desse prejuízo, porém, ainda é difícil de fazer. Agora, qualquer má notícia para um setor que estava atravessando um momento conturbado como a suinocultura, traz mesmo impacto desfavorável. Acredito fortemente, entretanto, que esse problema com os russos seja resolvido em curto prazo, o que não significa não ter impacto, pois ele já ocorreu. Suinocultura Industrial - Voltado a falar sobre a China, o senhor acredita que o Brasil será realmente um importante fornecedor de carne suína para lá? Fernando Pereira - Acredito fortemente, mas esse raciocínio tem que ser priorizado num horizonte de médio e longo prazo, ou seja, analisado de um ponto de vista mais estratégico. A China é o maior produtor e consumidor mundial de carne suína. No seu portfólio de consumo de carnes, mais de 60% é ocupado pela carne suína. Trata-se de um mercado de consumo crescente. Então não será surpresa se a China vir a ser também nos próximos anos o maior importador mundial. Até porque o maior importador mundial hoje, que é o Japão, importa cerca de 1,2 milhão de toneladas por ano. Esse volume corresponde a cerca de 2% do consumo chinês, o que proporcionalmente é muito pouco. Suinocultura Industrial - E, estando hoje a oferta ajustada a demanda, quanto tempo levaria para o Brasil poder atender a esta crescente demanda chinesa? Fernando Pereira - Esse é um processo gradativo. Eu não apostaria em altos picos de demanda, altos volumes de exportação. E diria mais: nem seria bom que isso acontecesse, digo sob o ponto de vista de estabilidade do setor no Brasil. Eu apostaria num período de três anos para termos uma importante exportação para o mercado chinês. Mas o início desse processo deve começar, provavelmente, ainda neste ano. Suinocultura Industrial - A preferência de cortes de carne suína na China é muito diferente da do Brasil. É isso mesmo? Fernando Pereira - Se olharmos o mercado brasileiro de uma maneira simplista, veremos que os cortes de maior valor são o pernil e o lombo. Estes não são a preferência dos chineses, que gostam mais de outras partes do suíno. Seria muito bom, portanto, poder compatibilizar esse tipo de exportação, pois a comercialização de cortes que têm menor valor no mercado nacional agregaria valor à carcaça. Suinocultura Industrial - Uma última pergunta sobre esse assunto. É muito comum ouvir entre especialistas em agronegócio que o Brasil precisa deixar de vender commodities e partir para a venda de produtos com maior valor agregado. O senhor acredita que essa máxima vale também para a suinocultura brasileira? Fernando Pereira - Não só vale para a suinocultura como já está acontecendo. Se olharmos, desde quando passamos a exportar grandes volumes de carne suína, cujo maior salto de patamar ocorreu em 2002, veremos que naquele momento exportamos basicamente carcaça inteira. Hoje essa proporção de carcaça inteira exportada pelo Brasil já está abaixo de 15%. A quase totalidade de nossas exportações já é de cortes, que significa mais valor agregado. Haveria ainda, teoricamente, a opção de exportar produtos processados, mas aí já seria para nichos de mercado e é muito mais difícil. Acredito que essa não será a prioridade das indústrias brasileiras em curto prazo, exceto em algumas situações muito pontuais. Mas a agregação de valor é uma tendência que vem sendo trabalhada pelas indústrias brasileiras. Elas têm conseguido êxito e isso tem se refletido no preço médio de carne suína exportada. Suinocultura Industrial - Em sua palestra na AveSui o senhor falou sobre a enorme consolidação das agroindústrias em 2009, classificando o processo como algo nunca visto antes. Ao mesmo tempo, comenta que não será uma surpresa se isto voltar a acontecer no futuro. O setor agroindustrial já está altamente concentrado. Há a possibilidade de ele se concentrar ainda mais? Fernando Pereira - O conceito de "altamente concentrado" é relativo. Se tomarmos como referência a Europa, chegaremos à conclusão de que o setor agroindustrial brasileiro está bastante concentrado. Se tomarmos como referência o mercado dos EUA, que considero muito mais parecido com o nosso, veremos que a concentração no Brasil é muito inferior a de lá, isso tanto em suínos quanto em aves. Por isso, há espaço para mais concentração. E não se trata aqui de dizer que esse movimento é mais desejável ou menos desejável. Trata-se de dizer que esse movimento de concentração no setor agroindustrial brasileiro é uma tendência para ganhar competitividade e acredito que vai continuar acontecendo nos próximos anos. Suinocultura Industrial - A Brasil Foods sofreu um revés no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), após o relator do processo, Carlos Ragazzo, votar contra a união entre Sadia e Perdigão. Como é que o senhor está vendo esta contenda? Fernando Pereira - Inicialmente é preciso dizer que é absolutamente inadmissível que o parecer de uma fusão como esta leve dois anos para ser dado. Independente da conclusão que esse caso tenha, nenhum setor pode funcionar dependendo de decisões com tamanha lentidão. Cada um tem sua justificativa para explicar porque isso acontece, mas não importa, alguma solução tem que ser dada para tamanha morosidade. Em segundo lugar, a julgar pelo que vem sendo relatado pela imprensa, há interpretações distorcidas, que não correspondem à realidade no caso dessa fusão. Existe a Sadia que, com a situação financeira muito ruim, se não encontrasse uma solução imediata o prejuízo, para os acionistas, funcionários, fornecedores e, enfim, para a sociedade, seria muito maior. O que transparece agora na imprensa é que são duas empresas líderes, fortes, e que decidiram se juntar. Sim, havia duas empresas líderes, mas uma forte financeiramente e outra com seríssimos problemas. É muito preocupante ver uma situação como essa acontecendo. São muitos milhões se perdendo por uma burocracia que não se resolve em tempo hábil.