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18 de Setembro de 2024
Produtor usa resíduos de suínos para fertilizar café e gerar energia
Fazenda Recanto, em Patos de Minas (MG), ficou em primeiro lugar na categoria Média Propriedade do Prêmio Fazenda Sustentável
Em 1999, o produtor Cláudio Nasser decidiu implementar um cultivo perene para dar destino aos grandes volumes de resíduos que restavam da suinocultura, atividade que desempenhava desde 1994 como herança fraterna, em Patos de Minas (MG). Naquela época, o engenheiro-agrônomo escolheu o café, que dava sinais de rentabilidade na região, e o rodeou de leguminosas e árvores, que resultaram em 30% de sombreamento de 150 hectares. O sonho era uma produção orgânica, mas, sozinho nas redondezas, adiou a ideia.
“Sonhei com café orgânico com sombreamento copiando o das matas, com um microclima que ajudaria o grão a ficar resiliente. Mas, naquela época, não se falava sobre isso, até porque o olhar dos agricultores e da sociedade não era como é hoje, de uma agricultura mais longeva”, descreve.
Mais de 20 anos depois, ele é dono de um complexo agroindustrial, a Auma Negócios, no qual está inserida a Fazenda Recanto, destinada à cafeicultura com dez tipos de grãos da espécie arábica para produção de café especial. Atualmente, 1,2 milhão de pés de cafés estão distribuídos por 240 hectares, e os planos são de até o ano que vem plantar mais 200 hectares.
O trabalho desenvolvido na Fazenda Recanto foi reconhecido na oitava edição do Prêmio Fazenda Sustentável, uma iniciativa da Globo Rural em parceria com o Rabobank e o Imaflora, e com patrocínio de Cargill e TIM. A fazenda ficou em primeiro lugar na categoria Média Propriedade.
O principal nutriente do grão vem dos dejetos suínos. O passivo ambiental virou o maior aliado da adubação do café. Além disso, na Recanto se aplica a técnica de roçada ecológica, que empurra todas as plantas de cobertura com a palhada para baixo da planta de café, que se abastece de doses certeiras de água por meio de um sistema digital de controle de irrigação.
Sem parar de buscar inovação, Nasser se inspira na figura de Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil entre 1956 e 1961. O mote de desenvolver "50 anos em cinco” está intrínseco na personalidade do produtor, que também se identifica com o emblemático político devido à origem humilde e ascensão de carreira. “Já fui de tudo nessa vida, até motorista, fui morar nos Estados Unidos e hoje quero que mais pessoas tenham oportunidades como eu”, diz.
Em seu escritório, ele guarda um item de coleção que comprova a admiração por JK: o quadro original do ex-presidente assinando a fundação de Brasília, que ficava no gabinete da Presidência. A obra pintada a óleo foi comprada por sua irmã.
Para o empresário, apesar de o preço do café oscilar bastante, é uma cultura que pode trazer alta rentabilidade, se aplicadas práticas regenerativas, como o trato da microbiota do solo. Uma das ações adotadas na propriedade é a escolha minuciosa das cultivares, pois o grão vem de plantas perenes, mas que precisam ter trocas depois de oito safras, reforça o produtor. A diretora da Auma agronegócios, que inclui a administração da Fazenda Recanto, Lucimar Silva, defende que a seleção de grãos é elementar para o sistema regenerativo, por ser resultado de um "diagnóstico agrícola".
Fazenda Recanto - Patos de Minas (MG)
“Esse diagnóstico leva em consideração as características da região, clima, disponibilidade de água, velocidade do vento, experiência e dados anteriormente mapeados, para, então, selecionar variáveis compatíveis com esse cenário”, detalha. Lucimar conta que o conhecimento agronômico é repassado a todos os funcionários, independentemente do setor em que trabalhem, para que saibam o porquê de praticar uma agricultura regenerativa.
O negócio cresceu e conseguiu também sustentabilidade econômica, por meio da redução de custos com processos aprimorados de pós-colheita que auxiliam no sabor e na padronização do café, cujo aumento de valor por saca é uma consequência espontânea. Hoje, a produtividade média da Recanto é de 40 a 50 sacas de 60 quilos de café arábica. A colheita é destinada ao mercado de grãos especiais, que atende a multinacionais como Illycaffè e Nespresso.
A partir de 2002, Nasser comprou biodigestores para mineralizar a matéria orgânica proveniente da granja com 1.300 matrizes suínas. A ideia, desde o início, era usar a técnica de compostagem para ter adubo orgânico para o café. Contudo, no meio do processo, ele deparou com um excedente de gás, o biometano. Foi aí que, em 2004, decidiu dar destino ao gás e implantou geradores para transformá-lo em energia renovável.
"Conseguimos fazer com que a fazenda seja sustentável em energia elétrica”, comemora. Hoje, são quatro biodigestores de 2.500 metros cúbicos cada um, capazes de fornecer energia por 48 horas a todo complexo industrial e gerar economia de R$ 100 mil por mês.
O excedente é direcionado como benefício aos funcionários, que têm uma redução de 15% em suas contas de energia. O biometano ainda abastece seis automóveis usados nos cafezais. O próximo passo é abastecer tratores com o gás.
Aos 63 anos, Nasser vê a sucessão como resultado de dedicação e paixão pelo agro. E, para isso, não é preciso ser alguém da mesma família. Hoje, o produtor coordena 1.260 funcionários em todo o complexo, 480 na agropecuária, incluindo o cafezal. Os filhos Elis, Sara e Pedro já estão inseridos nos negócios, mas ele não abre mão de investir na capacitação do maior número de colaboradores possível.
“Sucessão é muito relativa. Qualquer projeto no qual você está inserido será sucedido se tem amor, paixão e envolvimento. Não adianta eu ter um filho que queira me suceder porque a cultura dá dinheiro. Isso não é sustentável. E eu tenho certeza de que o apego é o pior dos inimigos quando se pensa em sustentabilidade”, salienta.
Globo Rural | Imagem: Divulgação