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22 de Janeiro de 2024
Capacidade de recuperação da economia da China será determinante para a suinocultura local e do Brasil, apontam analistas
Aspectos trazidos por especialistas passam por estímulo econômico para aumento do consumo local, ciclo da suinocultura chinesa e competitividade da proteína brasileira
A China encerrou o ano de 2023 com crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) na casa dos 5,2%, conforme informações da agência internacional de notícias Reuters. O percentual está dentro da meta do governo chinês, e amparada por crescimentos menores em anos anteriores devido à pandemia da Covid-19.
Entretanto, segundo uma pesquisa feita pela própria Reuters aponta para uma desaceleração no crescimento do PIB da China para 4,6% em 2024 e 4,5% em 2025.
“As perspectivas econômicas da China para 2024 serão moldadas pelas perspectivas do setor imobiliário”, afirmaram analistas da Swiss Life Asset Management numa nota à Reuters.
De acordo com Roberto Dumas Damas, economista e professor do Insper, é justamente esta política de investimentos e não de consumo que têm prejudicado o crescimento do PIB chinês. Damas pontua ainda que neste ano, o governo do gigante asiático deve tomar providências para gerar estímulo no consumo para que o PIB não ceda abaixo da casa dos 4%.
“O chinês consome demais, mas o consumo tem que ser a força motriz, e não os investimentos. A China cresce por investimentos, manufatura e infraestrutura. 40% representa consumo e o investimento é mais ou menos em 50%”, explica o economista.
Damas explica que ainda em 2009 a China “jogou uma bazuca de meio trilhão de dólares na economia” como uma política expansionista, após o estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos. Esta é a questão do aumento em investimento e alavancagem, que é a capacidade de contrair empréstimos.
“Aí veio a questão imobiliária gerando uma grande crise agora, um erro gerado pelo próprio Xi Jinping”, pontua. Em 2020, o líder chinês implementou as “redlines”, e uma delas era ligada ao setor imobiliário, conforme explica Damas, determinando que as incorporadoras imobiliárias não poderiam mais ter o caixa abaixo da dívida de curto prazo. A venda de ativos por parte de grandes incorporadoras imobiliárias devido a esta bolha acabou gerando uma pressão deflacionária. “Essa crise afetou um setor que contribui com cerca de 30% do PIB da China”, explica o professor.
Outra das decisões tomadas por Xi Jinping que afeta a questão do consumo, explicada pelo economista, foi a política do lockdown durante a pandemia da Covid-19, considerada por Damas como “draconiana”.
“Covid zero é algo impossível, e quando ele implementou isso, a população ficou mais assustada, o setor privado ficou mais assustado pq o governo entrou mais na vida do setor privado e famílias. Isso faz com que as pessoas não invistam mais em ativos de alto valor, e façam economia de dinheiro, poupando, pelo menos no sentido de comprar ativos de alto valor agregado, como casas”, disse.
Desta maneira, conforme explica o professor do Insper, Xi Jinping deve se voltar aos pacotes fiscais. “Se a economia vai mal, a sociedade reclama, e numa ditadura, ele precisa controlar alguns focos de tensão social, então ele vai fazer a política do stop and go, soltando pequenos pacotes de melhorias econômicas”, afirmou. Estas medidas se tratam, segundo ele, de pequenos pacotes fiscais para infraestrutura e pacotes imobiliários, além de de políticas sociais de assistência social, aumento de salário, passaporte hukou (que é para estimular a ida de pessoas para áreas urbanas), e estímulo à urbanização.
Estas políticas de urbanização e de estímulo ao emprego, segundo Damas, perpassam pelo aumento do consumo. As exportações e os investimentos do gigante asiático não crescem mais da mesma forma, e resta o consumo como forma de girar a economia. A aquisição de alimentos é uma das formas de consumo e a manutenção da plena oferta deles, de um país menos propenso a tensões sociais, segundo Damas.
Ele cita como exemplo o avanço na tecnificação da suinocultura chinesa após o surto de Peste Suína Africana em meados de 2018, que dizimou praticamente metade do plantel suíno do país, que é o maior produtor e consumidor desta proteína.
“Perceberam que não era mais possível produzir daquela maneira rudimentar, e com investimento, inclusive do Estado, a tecnificação da suinocultura chinesa começou a acontecer, ao mesmo tempo em que a importação de proteína animal e grãos brasileiros foi atingindo recordes devido à demanda da China”.
Segundo o analista da SAFRAS & Mercado, Fernando Henrique Iglesias, com os planteis suínos sendo criados de maneira mais profissionalizada na China, ele não crê nem em casos muito relevantes de Peste Suína Africana ocorrendo no país ainda.
“Talvez mais em rebanhos de fundo de quintal. Isso gera preocupação, sim, e temos que pensar que a produção vertical da China está sob forte inspeção governamental. Não é como se fosse um livre mercado. É muito mais rigoroso do que isso. Aqui no Brasil cada empresa decide o aporte financeiro. Não parece ser o caso agora da situação chinesa, que investe pesado na produção local”, disse.
CRESCIMENTO RECORDE NA SUINOCULTURA CHINESA
De acordo com a agência internacional de notícias Reuters, um levantamento realizado pelo Departamento Nacional de Estatísticas da China mostrou que o país produziu um recorde de 57,94 milhões de toneladas de carne suína em 2023, perfazendo um crescimento de 4,6% em relação a 2022.
A questão da demanda mais fraca por carne suína na China, especialmente durante a temporada de produção de salsichas e antes do Ano Novo Lunar não se concretizaram, disseram analistas à Reuters, aumentando ainda mais a pressão sobre os preços do suíno que já vêm em queda no gigante asiático há meses.
De acordo com o analista da área de proteína animal do Rabobank, Wagner Yanaguizawa, ao entrar em 2024, os preços da carne suína chinesa continuam a cair, atingindo os pontos mais baixos dos últimos 12 meses.
“Janeiro é geralmente a época de pico de consumo, com a aproximação do Ano Novo Chinês. O atual fraco desempenho do mercado chinês de carne suína reflete um sério excesso de oferta, impulsionado principalmente pela contínua liquidação do rebanho e pela demanda relativamente estagnada”.
Vale lembrar que a produção de suínos e de carne suína na China veio de uma reestruturação e crescimento após um grande surto de Peste Suína Africana (PSA) no país em 2018, que dizimou praticamente metade do plantel chinês. Entretanto, este aumento na produção se confrontou com um momento em que a economia chinesa como um todo passa por dificuldades, com uma fraqueza na procura por parte do consumidor por certos bens, conforme explicado anteriormente pelo economista Roberto Dumas Damas.
A cadeia da suinocultura chinesa agora luta com uma recessão na procura após uma expansão agressiva nos últimos anos, enfrentando pressão para reduzir os plantéis e vender granjas, segundo a Reuters. Mais do que a questão econômica, o setor ainda tenta reduzir o impacto de um surto recorrente de PSA que assola a China há anos, apesar dos casos da doença serem menos recorrentes do que o visto em 2018 e 2019.
“O principal desafio é por conta das vendas de liquidação, principalmente de matrizes ou animais com peso médio abaixo para evitar maiores perdas com a contaminação do rebanho e/ou para reduzir os custos e melhorar as margens por conta da sobre oferta que derruba os preços do suíno vivo. A produção chinesa já tem retomado aos mesmos níveis pré-PSA, mas a ausência de uma vacina considerada eficaz ainda deve continuar trazendo desafios para produção chinesa, principalmente nos períodos das estações mais frias”, afirma Yanaguizawa.
Este excesso de produção de carne suína na China vindo de 2023 afetou não somente os preços localmente, mas até as negociações na Bolsa de Dalian, que iniciaram para os suínos em 2021. Segundo dados divulgados pela Reuters, ao longo de 2023, os contratos futuros de suínos cederam 38% e permaneceram próximos aos níveis mais baixos desde que houve o início das negociações em bolsa.
POSSÍVEIS EFEITOS NAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS?
Segundo informações da plataforma ComexVis, do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, em 2023 as exportações de carne suína fresca, refrigerada ou congelada do Brasil para a China representaram 33% do total da proteína embarcada. Em relação ao preço pago, o analista da área de proteína animal do Rabobank, Wagner Yanaguizawa, aponta que a cotação média pago pela China em 2023 ficou estável com relação a 2022 (ligeira queda de 0,1%).
O analista da SAFRAS & Mercado, Fernando Henrique Iglesias, detalha que em 2024, apesar desta oferta massiva de carne suína produzida na China, o gigante asiático deve concentrar compras do Brasil. “O Brasil se configura como melhor opção em um cenário em que a União Europeia está em um imbróglio com regras sobre bem-estar animal, os Estados Unidos têm problemas com o fornecimento de carne bovina”, apontou.
Entretanto, para que isso ocorra, é preciso que haja uma melhora na situação econômica na China e também na suinocultura. “Os indicadores da suinocultura da China vão começar a dar sinais de melhora a partir do segundo ao terceiro trimestre, com as medidas que estão sendo tomadas pelo governo. Isso passa por uma redução de produção de carnes prevista para esse ano, e temos uma percepção que o estímulo para a atividade econômica vai começar a surtir efeito neste período”, afirmou.
Para Iglesias, o volume exportado de carne suína pelo Brasil não será problema este ano, e que inclusive acredita em recorde de embarque. Ele detalha que neste primeiro semestre, pelo menos, os preços pagos devem ser mais baixos, e vai depender da recuperação da suinocultura e economia chinesa para que estes valores se elevem.
“Isso passa justamente pela suinocultura chinesa. O volume ofertado até agora é muito expressivo. O próprio Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) aponta para redução de rebanho, de abates na China, mas isso deve começar a acontecer apenas depois do Ano Novo Lunar, até porque o governo chinês tem mais de meio milhão de toneladas de carne suína congelada em reserva estatal, o que equivale em 5 meses de exportação brasileira”, disse.
Yanaguizawa detalha que o efetivo de porcas diminuiu 5,7% no final de 2023, e se espera que a perda de capacidade continue no primeiro trimestre de 2024 e que os preços da carne suína permaneçam baixos nos próximos meses.
“Estoques menores devem ocorrer no segundo semestre e com isso favorecer as exportações do Brasil, que se consolidou como maior exportador de carne suína para China. Projetamos aumento de cerca de 8% nas importações totais de carne suína pela China este ano (cerca de 230 mil toneladas), o que deve beneficiar diretamente o Brasil”, disse Yanaguizawa.
PERSPECTIVAS PARA A PRODUÇÃO E EXPORTAÇÃO BRASILEIRA EM 2024 EM NÚMEROS
Segundo relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), divulgado neste mês de janeiro, a produção global de carne suína foi revisada para baixo na ordem de 1% em relação ao relatório anterior, divulgado em outubro de 2023.
A queda é motivada, segundo o USDA, pela regulamentação e preferência de consumo na União Europeia, pelo baixo estímulo de produção na China, devido à menor demanda, e menor produção no Brasil, justamente olhando para a prospecção das importações do principal parceiro comercial, a China.
De acordo com o USDA, se em outubro a perspectiva era de que em 2024 o Brasil produzisse 4,825 mil toneladas, agora a previsão é de 4,675 mil toneladas, recuo de 3,1% na produção brasileira. Quando o órgão americano pontua sobre as exportações de carne suína do Brasil para 2024, também há projeção de queda neste relatório de janeiro em relação ao anterior, passando de 1,530 mil toneladas previstas no documento em outubro do ano passado para 1,500 mil toneladas em janeiro deste ano, uma revisão para baixo de 1,96%.
As perspectivas da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) para a produção de carne suína no Brasil em 2024 é de 5,1 a 5,150 milhões de toneladas, valor acima do estimado pelo USDA. Sobre a exportação, a prospecção da ABPA já se mostra inferior do que a do USDA para 2024, na casa das atingindo 1,3 milhões de toneladas.
Notícias Agrícolas / Imagem: PorciNews