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03 de Agosto de 2009

Buscando a explicação da crise atual da suinocultura no sul do Brasil

Após um breve período de preços bons do suíno, entre julho e outubro de 2008, os suinocultores no Sul do Brasil entraram em uma crise grave. Este crise continua até hoje, com preços que representam somente 70% do custo de produção do suíno para abate, e vai levar muitos produtores à falência. As explicações dadas por esta crise são as mais diversas, e geralmente fogem dos fatos conhecidos. Este artigo é uma tentativa de analisar os fatos conhecidos e tirar algumas conclusões. O mercado de suínos para abate no Brasil é um mercado misto, com elementos de mercado livre e competitivo, e também de mercado limitado por fatores como tributos interestaduais, custo de transporte e quebra de peso, e a influência da crescente concentração dos grandes compradores de suínos para abate. A situação de mercado varia entre estados. Nos três estados do Sul do Brasil, o comércio é dominado por um número cada vez menor de compradores que, entre eles, determinam o preço. O custo de vender suínos do Sul no mercado do Sudeste é alto e exige uma diferença de preço em torno de 30% para compensar. Isso faz com que o nível de preço no Sudeste tem um efeito limitado sobre o preço no Sul. No Sudeste, o mercado é mais competitivo, com mais frigoríficos competindo para comprar suínos de muitos produtores. Isso faz com que o mercado reflita mais rapidamente alterações na situação de oferta e demanda, como vimos recentemente quando o preço em São Paulo subiu de R$2,00 para R$3,00 em questão de poucos dias e voltou a R$ 2,00 com a mesma velocidade. Neste período o preço no Sul subiu 30 centavos para R$ 2,00 antes de cair novamente. Mas em termos gerais, o preço do suíno é determinado pela situação de oferta e demanda em determinada região a um determinado momento. Por isso que temos que buscar a explicação da crise atual nestes termos. A demanda no Brasil pode ser dividida entre demanda internacional, atendida por exportações, (mercado externo) e demanda nacional (mercado interno). Mercado externo É fácil avaliar as exportações, pois existem dados precisos e confiáveis gerados pelo processo burocrático de exportação. Os dados do primeiro semestre mostram que a demanda internacional é firme, gerando volumes e valores além dos do mesmo período no ano passado. No primeiro trimestre, o aumento nas exportações comparado com 2008 foi impressionante: 21% mais volume e 39% mais receita em R$. A receita em dólares cresceu somente 4%, mas ao ser convertido em reais, com a taxa de câmbio alta, rendeu 39% mais. O segundo trimestre, considerado isoladamente, decepcionou. O volume ficou igual ao do ano passado, o preço médio em dólar caiu 30%, fato que, convertido em reais, rendeu uma receita quase 13% mais baixo que em 2008. Mas considerando todo o primeiro semestre, 2009 saiu melhor que 2008, com um acréscimo de 9% no volume exportado e de 7% nas receitas em reais. Estes números podem ser verificados na figura abaixo. Portanto, a explicação que a crise atual é resultado de problemas no mercado internacional não se sustenta nos fatos. Mercado interno O mercado interno é mais difícil de medir em termos de volume e valor, pois não há uma fonte única de dados confiáveis. De acordo com dados apresentados no site da ABIPECS, de 2002 a 2006, o consumo per capita anual variou de 11,5 a 13,7 kg neste período. A ABCS lançou tempos atrás um projeto “Um novo olhar sobre a carne suína”, para promover o consumo de carne em natura, criando novos corte de carne e melhorando a apresentação e promoção do produto. Em alguns supermercados onde o projeto foi implementado, o aumento na venda foi dramático, mas a abrangência do projeto foi limitada. Como se sabe, as grandes empresas de produtos suínos têm mais interesse em promover e vender produtos industrializados, e não fazem muita questão de vender carne em natura. Porém, em anos recentes se encontram cada vez mais cortes temperados e embalados, prontos para assar. Pelo outro lado, o preconceito gerado pelo uso do termo “gripe suína” pela Gripe A por importantes empresas da mídia nacional com certeza está afetando o consumo negativamente. É muito difícil medir este efeito com precisão, pela falta de dados confiáveis sobre o consumo interno de carne suína. Portanto, não temos dados para saber se o mercado interno mudou em relação a períodos no passado, embora alguns especialistas alegam que o consumo per capita aumentou 2 kg. De acordo com dados da USDA, o consumo per capita em 2008 foi de 12,60 kg e a previsão para 2009 é de 12,81. Dados equivalentes da FAO falam em 14,13 e 14,03 kg pelos mesmos períodos. É aparente que não é fácil chegar a uma conclusão confiável, mas também é claro para quem acompanha a situação que o consumo interno não é o fator que principalmente determina as oscilações de preço do suíno vivo no Sul. Abate no Sul com inspeção SIF O abate no Sul, com inspeção SIF, não representa a situação no país todo. Mas engloba os três estados que exportam mais carne suína, e hoje as exportações são o fator mais instável e mais variável na equação de demanda e oferta, com uma importância grande, especialmente na determinação do preço no Sul. Além disso, já que a maior parte do abate acontece nos frigoríficos com SIF, as variações no abate fornecem uma indicação importante da produção e oferta de suínos. Desde 2001, o abate cresceu 44%. Este crescimento não foi constante – houve anos com mais crescimento e até anos com decréscimo. Vejam os dados na figura que segue. Figura 2: Abate no Sul com SIF (Fonte: ACSURS) Para compatibilidade, os dados de 2009 são o dobro do 1º semestre. De 2001 para 2002, houve o maior aumento anual de abates no período, de 15,7%. Qual foi o resultado? A pior crise da história, em 2002/2003. Como conseqüência da crise, houve uma redução forçada de produção, com resultados sociais trágicas. Nos anos de 2003 e 2004, o abate caiu 3,7% e 3,1% respectivamente. Qual foi o resultado? O ano de 2004 foi o melhor ano para os suinocultores da última década, com o preço do suíno no RS entre R$ 2,80 e R$ 3,30 durante o ano todo. Com a exceção do breve período de julho a outubro de 2008, esta situação não voltou mais. A partir de 2005, começou um aumento acentuado na produção e no abate de um ano para outro, que até 2008 não baixou de 7%. Com isso o preço do suíno no Sul estagnou. Os dados de 2009 na figura acima foram estimados multiplicando o abate do primeiro semestre por 2 e, portanto, não são concretos. Com a redução de matrizes que houve desde o início da crise atual em outubro de 2008, é possível que a produção comece cair no segundo semestre, reduzindo o total do ano. Conclusão Os dados apresentados acima, embora incompletos, sugerem que a origem da crise atual está nos aumentos de produção e abate de suínos. Dados confiáveis sobre exportações derrubam a explicação mais divulgada, que houve problemas nas exportações em 2009. Não houve – as exportações aumentaram em volume e em valor comparado com o ano de 2008, e em 2008 nenhuma indústria falava em crise. Sobre consumo interno, é difícil chegar a uma conclusão pela falta de dados confiáveis. Não existe nenhum dado para confirmar que o consumo interno variou para cima ou para baixo, mas, com certeza, a campanha de grande parte da mídia de martelar a “gripe suína” deve ter um efeito negativo no consumo. Sobre a produção e abate, os dados indicam um crescimento grande e constante desde 2005. Portanto, entre as explicações possíveis para a crise atual, este aumento se destaca como o motivo mais provável. Resta saber quem é o responsável por este aumento – as empresas ou os independentes? Sabemos que a suinocultura exige investimentos altos para aumentar a produção. Quem financiou este aumento – dinheiro público ou dinheiro privado? Se foi dinheiro público, qual foi a falha nos projetos, que devem ter mostrado rentabilidade, quando na realidade criaram uma crise social grave na suinocultura? Para retornar a rentabilidade no setor, é essencial reduzir a produção de suínos, como nos anos 2003 e 2004. Seria preferível se esta redução fosse o resultado de planejamento, e não da falência de suinocultores tradicionais, com todo o trauma social que isso traz.