Notícias

03 de Agosto de 2022

O que há de novo sobre diarreias neonatais em leitões? Prevalência e estratégia preventiva para Clostridioides

Diarreias neonatais sempre foram preocupantes para a suinocultura por gerar perdas por mortalidade, diminuir o ganho de peso ao desmame e aumentar o uso de antibióticos. Agentes infecciosos são amplamente conhecidos por ocasionar as diarreias, e eles podem estar associados aos fatores de risco ambientais, como falta de vazio sanitário, excesso de matéria orgânica, umidade, calor, uso de antibióticos como preventivo em leitões e na dieta de matrizes, ingestão de água contaminada, micotoxinas, baixa disponibilidade de colostro e de leite pela fêmea, entre outros.

Os principais patógenos envolvidos nas diarreias em leitões lactantes podem ser bacterianos: Escherichia coli, Clostridium perfringens tipos A e C, Clostridioides difficile; virais: rotavírus, Senecavírus A; e parasitas: Isospora suis e Cryptosporidium spp.

Nos últimos anos Clostridioides difficile (C. difficile) está adquirindo significativa importância na suinocultura devido a associação deste agente com as diarreias em leitões. C. difficile é uma bactéria gram positiva, formato de bastonete, anaeróbia estrita, formadora de esporos, encontrada no meio ambiente e no trato intestinal de vários mamíferos, pássaros e répteis. Este agente é responsável por causar uma colite pseudomembranosa e diarreia associada ao uso de antibióticos em humanos, cavalos e suínos.

Nos Estados Unidos, C. difficile foi detectado como causador de mais de 50% das diarreias neonatais em leitões na primeira semana de vida e pela morte de até 10% dos leitões nas maternidades. Em outro estudo americano, C. difficile foi considerado o principal e único agente etiológico em 35% das diarreias neonatais, além de ser encontrado em associação com outros enteropatógenos em 25% de outros casos de enterite.

Detecções no Brasil 
Atualmente, Clostridium difficile tem sido relatado como o principal causador de colite neonatal em suínos em todo mundo. Recentemente, em 2021, no Brasil, foram avaliadas 43 granjas (103 mil matrizes) sediadas em 8 estados (PR, SC, RS, MG, SP, GO, MA, CE) com casuística clínica de enterite em leitões do nascimento aos 12 dias de idade, em que C. difficile foi detectado e associado ao quadro clínico de diarreia em 72% (31/43) das granjas.

Nestas granjas, havia co-infecção do C. difficile com E. coli em 6,4% (2/31) e com Clostridium perfringens tipo A em 16,1% (5/31), sendo que outros patógenos não foram detectados nas amostras como causadores da diarreia. Além disto, 48,3% (15/31) das granjas diagnosticadas com C. difficile apresentavam uso preventivo de antibiótico em matrizes ou leitões, e 77,4% (24/31) relataram excesso de micotoxinas na dieta da fêmea gestante/lactante sugerindo que os manejos ambientais/nutricionais podem contribuir para a enterite por este agente.

A maioria dos isolados de C. difficile produzem dois tipos de toxinas que danificam o epitélio intestinal do leitão: toxina A, uma enterotoxina, e toxina B, uma citotoxina. Além dessas duas principais toxinas, existe uma outra toxina chamada C. difficile transferase (CDT), que é codificada por dois genes separados, designados cdtA e cdtB e aumenta a aderência e colonização da bactéria no intestino do leitão.

Ação no suíno 
A doença causada pelo C. difficile pode ser associada ao uso de antibióticos, que levam a uma alteração na microbiota entérica e oportunizam a colonização pelo agente. Quando ocorrem alterações na microbiota, bactérias resistentes a antimicrobianos podem se multiplicar, inibindo o crescimento das bactérias benéficas ao trato intestinal e favorecendo o crescimento de bactérias patogênicas, como o C. difficile.

Esporos de C. difficile são eliminados nas fezes das matrizes lactentes, e podem ser ingeridos pelos leitões, sendo que estes esporos são resistentes ao pH ácido do estômago e iniciam o processo de germinação no duodeno, com auxílio de alguns ácidos biliares. C. difficile toxigênicos ao chegarem no cólon se aderem e colonizam o epitélio e produzem as toxinas TcdA, TcdB e, eventualmente, CDT. A toxina CDT é internalizada e causa a protrusão de microtúbulos celulares, que facilita a adesão de outras células toxigênicas. As toxinas TcdA e TcdB, quando internalizadas, causam ruptura das junções, arredondamento e apoptose celular. Os enterócitos infectados produzem mediadores inflamatórios (p. ex. IL-1ß, IL-18), que são produzidos com maior intensidade por mastócitos e macrófagos após com a ruptura da barreira celular.

Com isso, o ocorre colite e edema de mesocolón causado pelo aumento da permeabilidade vascular, recrutam uma grande quantidade de neutrófilos e extravasamento de líquido vascular, intensificado pela presença das toxinas na lâmina própria. A diarreia é resultado da má absorção de líquidos causada pelo dano ao epitélio e extravasamento de líquidos para o lúmen.

Sinais clínicos 
Os principais sinais clínicos em leitões acometidos por C. difficile são dispneia moderada, distensão abdominal e edema escrotal. Além disto, pode ocorrer diarreia, ascite e hidrotórax e a doença é caracterizada por altas morbidade e mortalidade. As lesões macroscópicas observadas na autopsia são enterite inflamatória, edema de mesocólon (Figura 1) e com auxílio da histopatologia pode-se observar na microscopia acúmulo de neutrófilos e fibrina na lâmina própria.

Diagnóstico e prevenção 
O diagnóstico pode ser realizado pelo isolamento das colônias do C. difficille, contudo este processo é demorado, trabalhoso e difícil de ser realizado e ainda é necessário pesquisar as toxinas para diferenciar as cepas toxigênicas das não toxigênicas. As toxinas TcdA, TcdB são as principais responsáveis pelo desencadeamento da doença e a detecção delas nas amostras fecais podem sugerir que C. difficile esteja proliferando no intestino e possa estar associado ao desafio entérico.  A associação desta técnica com a histopatologia é importante para excluir outros agentes como causador da diarreia, visto que as toxinas nas fezes podem ser encontradas em animais saudáveis.

Apesar da importância do patógeno, não existem medidas específicas para a prevenção e controle da infecção por C. difficile, por isso a vacinação é a melhor medida a ser tomada. Para mudar esse cenário, estudos têm focado em possíveis estratégias preventivas, incluindo utilização de vacinas e melhoradores de microbiota entérica, como probióticos.

Em relação à vacina, é interessante salientar a importância de ela proteger contra as toxinas A e B do C. difficile, visto que estas toxinas são as principais responsáveis pelo desencadeamento da doença no leitão. Desta forma, vacinas contendo apenas o agente, como vacinas autógenas, podem não ser tão eficazes quanto ao uso de vacinas contendo toxóide A e B.

Estudo com dez mil matrizes 
Recentemente, no Brasil, avaliou-se o uso de vacina contendo toxóide A e B do C. difficile em matrizes gestantes em granja com 10 mil matrizes, previamente diagnosticada com este agente. Neste estudo, a incidência de diarreia em leitões reduziu de 8% para 2% após a vacinação, a mortalidade total dos leitões reduziu de 7,98% para 5,68% e houve redução de 84% no uso de antibióticos injetáveis na fase de maternidade. Além disto, os leitões filhos de fêmeas vacinadas tiveram melhor uniformidade ao desmame e maior ganho de peso médio diário na fase de maternidade, que foi de 250 gramas, comparado ao grupo não vacinado que foi de 233 gramas.

C. difficile está presente nas granjas brasileiras e de todo mundo, ocasionando diarreia, mortalidade e perda de desempenho de leitões e uso excessivo de antibióticos. Neste cenário, a vacinação contendo toxóide A e B do C. difficile em fêmeas gestantes tem se mostrado eficaz no controle de C. difficile e na redução de perdas ocasionadas por este agente em granjas brasileiras.